terça-feira, 24 de março de 2015

Queremo-nos

Quer que eu te coloque de quatro
E revire o teu quarto
Mas farei muito melhor
Quer ouvir coisas obscenas
E gemer muito alto, apenas
Sem ter pena, medo ou dó

Vou te colocar em quatro
Quatro versos tão sensatos
Que a cada estrofe vão te apresentar
Vou te lambuzar inteira
Te mostrar minha sujeira
Em versos doces que chegam a enojar

Você vai arranhar minhas costas
Até sangrar, como tu gostas
Mas eu vou muito além
Vou sangrar tua beleza
Descrevê-la com destreza
Te despir como ninguém

Me quer nu pra me usar
E eu peço para abusar
Porque farei muito pior
Além de nua, te quero crua
A minha poesia é sua
A cada gota de suor

Já não conhecemos o pudor
E vou te mostrar um certo amor
Que não é venerado pelas massas
Um sentimento animal
Selvagem e intrínseco, mas social
E não há nada mais poético, gostoso e de graça

Meu cabelo entre tuas coxas
No meu pescoço as marcas roxas
Preciso de muito mais
Nenhuma noite será suficiente
Pra te ter essencialmente
Mas tenho uma saída tenaz

Vou te marcar em poesia
Te morder a cada dia
Saciando a minha alma
Você mais quente que o sol
E eu mais sujo que o lençol
Nenhum verso sobre 'calma'

Vou te chupar e te sentir
Te apertar e extrair
Tudo que preciso para poder te escrever
Vou tornar-me objeto
Me use como achar que é certo
Pois, com a língua eu vou dissecar você

Sim, com a língua portuguesa
Vou te jogar em cima da mesa
Te arreganhar em um papel
Vou te levar à eternidade
Algo que nesta cidade
É bem mais sujo do que um motel

domingo, 22 de março de 2015

EP III

Pois bem, aqui está o terceiro EP do Guarda-chuva

As duas músicas dessa vez são 'Aquilo que Fica' e 'Eles não Sabem Amar'

 Confere aí o EP III
 

Para ver as letras:

terça-feira, 17 de março de 2015

Lá é lindo... mas, e aqui?

Sabe a cidade maravilhosa?
Então, eu não moro lá
Sei que ela é linda e graciosa
Mas tem muito mais gente do lado de cá

O Cristo redentor é muito atencioso
Mas ele não olha para mim
O meu lugar é escuro e impetuoso
Era senzala e hoje ficou assim

Minha calçada não tem nenhum mosaico
É de cimento, improvisada e muito fria
A cor dali vem de um pensamento arcaico
E é o vermelho-sangue que escorre todo dia

As garotas de Ipanema não me olham
Mas a PM está sempre a me observar
Os playboys vêm pegar o que adoram
Mas é só pobre que se pode exterminar

Até o Maraca está caro pra eu entrar
Não dá nem para ver o jogo do meu time
Tão deixando gente sem ter onde morar
Pra olimpíada o governo tem pulso firme

E a gringalhada que se acaba no carnaval
Não querem saber das vidas na favela
Se sobem no morro não é pelo social
Querem ver a vista que o pobre tem da janela

Se vou às ruas, eu apanho de verdade
Posso ser preso só por pedir respeito
Mas se for lá do lado rico da cidade
O fascismo se torna luta por direitos

O samba e o funk carregam nossa resposta
A música faz gente que é pobre ter voz
Da batida o povo com dinheiro também gosta
Mas só quem é chamado de bandido, somos nós

Eles dizem que é perigoso onde a gente mora
Mas esquecem que também sentimos medo
Só que eu posso correr riscos aqui fora
O rico não, e isso já não é segredo

O Rio de Janeiro é lindo demais
Mas eu lhe digo: aqui também tem muita beleza
Eu só quero ser feliz e viver em paz
Pois, aqui temos nosso tipo puro de riqueza

segunda-feira, 16 de março de 2015

Flores

Seja você girassol, seja rosa ou jasmim
Peço, por favor, que continue assim
Me ignore, me largue, não ligue para mim
Pois, se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Seria o meu fim

Tenho que conhecer muitas flores
Cantar-lhes em versos, canções ou cores
Ajudá-las a esquecer certas dores
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Eu não ia querer outros amores

Tenho que aproveitar mais o meu dia
Terminar projetos que jamais acabaria
Conhecer, assim, novas formas de alegria
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Só ia querer estudar tua anatomia

Tenho muita água para mergulhar
Muita poesia para encontrar
Muitas cordas para dedilhar
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Meu cabelo não ia mais te largar

Sozinho, o mar é meu mundo
Meu transe profundo
E ainda me deixa um pouco menos imundo
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Ele seria apenas o seu plano de fundo

Ainda posso admirar a lua
Ocupar com meu coração a rua
Conhecer vozes diferentes da tua
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Só ia te querer nua

Tenho muitos discos para ouvir
Muitos caminhos para seguir
Muitos sabores para sentir
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Só ia querer te fazer sorrir

Não posso parar por aqui
Nas flores que já conheci
Pra mim não basta o que tanto escrevi
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Só cantaria por ti

Preciso cuidar do meu nariz
Jorrar arte como um chafariz
Dizer o que, por medo, ninguém diz
Mas se você me quisesse
Que me amasse dissesse
Eu te faria, com certeza, a mais feliz

sábado, 14 de março de 2015

As daqui

Me disseram que '7 a cada 10  já sofreram violência'
Mas, aqui esses números se tornam nomes
O que eles estudam, eu aprendi na convivência
E vi nos olhos tão cruéis de alguns homens

Dona Maria, a Tia Léia e a Fernanda
A Stéphanny, a Ana e a Letícia
A Julia foi morta na própria varanda
E tantas outras que nunca viraram notícia

O depoimento de uma mulher daqui
Vale tanto quanto a palestra na zona sul
Pois, essa mulher cresceu no meio de um frenesi
E mora onde esse assunto é o maior tabu

O debate que conscientiza no asfalto
Tem que chegar também aqui no chão de terra
Pois, por mais que o grito delas seja alto
É o machismo que, tão forte, ainda berra

Sempre tem mais uma flor que ainda chora
E, muita vezes, nem nos números ela está
Perdem-se vidas, todo dia e toda hora
E isso é concreto aqui do lado de cá

No barraco ou na rua ou no serviço
Ter medo de sair de casa é muito duro
E o Estado ao permanecer omisso
Torna esse fato real, mas obscuro

Mas as mulheres sabem que são muito fortes
E os homens não têm que tentar interferir
Pois, são elas que sentem no corpo as mortes
Que o machismo é capaz de construir

domingo, 8 de março de 2015

O menino, a pipoca e o pombo

Ele vem andando lentamente com todos os seus 5 anos de idade e, pelo visto, de destreza e perspicácia.
Lá vem ele, devagar, sorrateiro e segurando uma única pipoca que sua vó acabara de lhe dar. Mas, não, ele não ia comer. Tinha outros planos para ela.

E ele continuou vindo, um passo de cada vez, devagar.
Agora ele dizia 'Ei, Seu Pombo', 'Vem cá, Seu Pombo'. Falava baixinho, sussurrava, não queria assustar o Seu Pombo. E lá foi ele, se aproximando
Essa era sua aventura, sua missão
Respirou fundo e pronto.
Finalmente, ele jogou!
Lançou a pipoca tão suave que parecia que ela ia sair voando sem nem mesmo cair no chão
- Vai Dona Pipoca, vai lá - disse o menino.
E a Dona Pipoca escutou, caiu no chão e até deu uma roladinha só para garantir
Aí, então, ela parou
E o menino também
Segurou forte na mão da vó e com um olhar inseguro disse:
- Será que ele vai comer, vó? Ele tem que comer!

Eu parei também
Agora éramos 4 parados e ansiosos
O menino, a vó, eu e a Dona Pipoca
Mas faltava ele
O sortudo
O Seu Pombo
Esse não parou
Continuava mexendo o pescoço pra lá e pra cá, não tava nem aí
Estufava o peito e nem tinha notado a pobre da Dona Pipoca
O Seu Pombo era um senhor pombo, tenho que admitir
Sabia muito bem como pombear e devia ser um daqueles com boa mira
Mas o menino estava esperançoso, sabia que o Seu Pombo ia comer a pipoca dada a ele com tanto carinho
-Ali! Olha! Olha, vó! Ele vai comer!
Sim! Seu Pombo, finalmente, viu a Dona Pipoca!
É agora
Pescoço prum lado, pescoço pro outro, abaixou
Vai Seu Pombo, agora é só comer
...
Ah, não
Espera aí
Seu Pombo se levantou e foi embora do nada
Saiu voando e deixou Dona Pipoca ali no chão

Que audácia!

O menino não acreditou
Ficamos os 4 desolados
-Caraca, vó, cê viu? Não consigo nem dar pipoca prum pombo...
-E eu que nem consigo dar pipoca pro meu neto que ele já quer logo dar pro pombo?
-Ih, verdade, vó, desculpa
-Que isso, meu filho, estou brincando, deixa de ser bobo, olha só sua pipoca onde está agora!
-Ah, ela tá ali no mesmo lugar, ninguém nunca vai comer ela e....ué!? Cadê ela? Cê viu, vó?Cadê?
-Eu não vi não, querido, pergunta para aquele moço ali
-Tá... Ei, seu moço, você viu a minha pipoca? Ela tava ali agora mesmo!
Eu era o moço, e, sim, eu tinha vista a pipoca dele, então respondi:
-Sua pipoca? Melhor perguntar para aquele pombo ali ó!
E apontei para um pombo que estava ali quieto na dele, sem alarde, sem nada
-Ele comeu? Sério? Ha ha ele comeu, vó! Consegui dar comida prum pombo! Uhú!
O menino ficou radiante, ele conseguiu!
Aí, então, ele saiu com a vó cantarolando sobre pombos e pipocas, feliz da vida

E eu fiquei ali mesmo, no lugar da aventura do menino
O mesmo lugar em que eu estava quando todos eles apareceram
E fiquei junto com o outro pombo, o que comeu a Dona Pipoca
Ele sempre esteve ali também, antes até mesmo do Seu Pombo aparecer
E eu, que junto do pombo, ficava lembrando dos meus tempos de menino
Percebi que, agora, estava ali no canto, justamente, esperando uma pipoca.

Nascente

Eu quero você
Não sei como
Nem onde
Só sei que é você

Pode ser que seja saindo do mar com frio
Já que a água estaria gelada
Dando aquela corridinha para se esquentar
Fugindo do verde marinho e do branco da espuma

Branco como o sorriso lindo estampado no seu rosto

E sorrindo você passaria por mim na areia
Sem me notar

Ou, talvez, possa ser numa tarde fresca
Com um Sol gigante iluminando seus olhos
Que mesmo brilhantes se fechariam
Para você rodopiar
Sim
Rodopios puros e felizes

E rodopiando radiante sob a luz do Sol
Mostraria que é mais linda do que a própria luz que te ilumina

É, menina...
Irradiaria poesia em mim
Que estaria sentado ali num canto
Num banco de madeira perto de você

Mas não me notaria
Não, melhor, não

Melhor não desperdiçar um olhar lindo desse em mim
Esse não

Mas pode ser que essa calma não dure
E você apareceria para mim numa frenética correria
Com a vida nos embaralhando
Tua doçura ressignificaria minha insignificância

Você estaria lá
Voando tão leve
Mesmo que em ventos tão fortes e difíceis
Suave, você dança

E colore
a mim
a todos em volta

Gira em meio a um frenesi entorpecente
Com uma beleza e doçura lisérgicas

E eu não poderia fazer nada além de olhar
Mas saiba que consegue ser adoravelmente ainda mais linda ao ser vista do olho do furacão

E o seu ritmo
Me contagia
Alucina-me
Alucida-me
Pois, você, tua figura e teu prazer
Me fascinam

Mas, não...
Não quero que me note
Só quero que continue radiante
E para isso, te darei quantos versos e cores forem necessários

Mesmo que não saiba

Porque eu te quero na essência
A sua essência
Minha vontade de você
É de você
não de nós

É você
Aliás, nem sei quem é você
Nem o que quero de você

Só sei quanto você fica linda de longe

terça-feira, 3 de março de 2015

Modelo, vivo

Quero ser teu modelo vivo
E da sua vida fazer parte
Existo como um ser subjetivo
Então, decifra-me com tua arte

Se não posso estar em seus braços
Que ao menos esteja em tuas telas
Se não quiser mais os meus traços
Estarei pra sempre nas aquarelas

Pois, te alegrar é meu prazer
Digo isso da forma mais sincera
Seu olhar é meu lazer
Seu sorriso a primavera

Só permita-me fazer a arte pura
De, humildemente, deixar-te louca
Assim como em sua pintura
Usaria só meu corpo, minha boca

Caso me trate com insignificância
Como se fosse natureza morta
Eu reagiria com certa irrelevância
Pois, sua arte calorosa me conforta

Por isso, quero ser o seu modelo
E não importa a arte que faça
Escute atentamente meu apelo:
Use e abuse da minha carcaça

Se me quiser para pintar o amor
Relaxe, fique bem calma
Pois, a qualquer lugar que você for
Te amarei com toda a minha alma

Se quiser pintar o desejo
É certo que vou lhe servir
Basta vir me dar um beijo
E deixar-me lhe despir

Ao precisar pintar a dor
Basta parar de me beijar
Mas se quiser ódio e rancor
Eu não poderei lhe ajudar

E caso queira pintar a morte
Não precisa se preocupar
Para eu ser tua inspiração mais forte
Basta você, finalmente, me deixar