quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O cinza e o cor-de-rosa do verde e amarelo.

Era um dia acinzentado e comum no Rio de Janeiro, daquele dias típicos que fazem os sorrisos sinceros e tímidos tornarem-se cada vez mais raros no rosto de cada um dos desbravadores urbanos da cidade grande. E olhando para o céu cinzento estava eu que, com o olhar utópico, pintava de mil cores o cinza pacato que dominava o ambiente que via da última janela do ônibus.
De repente o ônibus parou e abriu as portas traseiras para um cidadão que logo desceu, mas as portas continuaram abertas e assim dois moradores de rua correram para entrar por elas. O primeiro, um homem de uns sofridos trinta e poucos anos consegue entrar com seu cobertor nos braços, já o segundo, um garoto de no máximo 10 anos, não consegue o mesmo e enquanto entrava no ônibus as portas se fecharam e o braço esquerdo do menino se prenderam entre elas fazendo o homem esbravejar tudo o que vem a sua cabeça para alertar o motorista e livrar o garoto. Depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade o motorista abre novamente as portas e o menino entra no ônibus e senta ao meu lado, o homem ainda teve tempo de pegar o cobertor do menino pela janela com um rapaz. E eu, deixando as poucas cores do dia-a-dia de lado, passei a olhar o vermelho do braço do garoto que ouvia os berros histéricos e preocupados do homem que diziam 'Você está maluco? Tem que ser mais sagaz agora que está nas ruas, moleque' , 'Eu hein, quase perdeu o seu cobertor, imagina só você magrelo desse jeito nesse frio que faz de noite!'. O menino não esboçava reação, aliás, só engolia as lágrimas de dor e vergonha, que por mais sofridas nem deviam se comparar com o choro que esse garoto deve engolir todos os dias nas ruas. Enfim, logo depois de um longo e fervoroso sermão, o homem ficou em silêncio e a expressão raivosa de seu rosto foi ficando cada vez mais cabisbaixa e real, e isso foi fazendo com que o tempo silencioso ficasse cada vez mais deprimente e cativante, e mesmo com o final dos berros o menino não olhava para cima, parecia sentir-se como a maioria das pessoas o faz sentir, se é que os que transitam todos os dias por ele acreditam que tenha sentimentos. Depois de uns minutos de tensão silenciosa o homem retirou o terço cor-de-rosa que levava consigo no pescoço e colocou no menino junto com as palavras: 'Toma, agora você precisa mais disso que eu, se preocupa não, você é novo, tá aprendendo, agora somos só nós dois, e é bom que você ganha experiência, e olha, sempre jogue seu cobertor primeiro, é a coisa mais importante que você tem' e assim o homem abraça o menino que se segura por um tempo mas logo também abraça-o com toda a sua força e suspira bem baixinho um pedido de desculpas, o homem diz um 'Liga não, cara, tá tudo bem' bem acolhedor. E depois disso os dois levantaram e foram sentar em um banco em mais na frente, eu continuei lá no fundo e o olhar que pincelava as ruas agora estava acompanhado por um sorriso tímido e carregado.
Eu observava agora um carro preto de última geração que estava ao lado ônibus, ambos parados no sinal vermelho, dentro dele estavam um senhor de meia-idade e sua filha adolescente que repousava o olhar no iPhone com os fones no ouvido e durante todo o tempo que os observei não vi nenhuma interação, nenhum olhar, e voltei a apreciar as energias dos moradores de rua no ônibus, os dois sorriam livremente, pareciam esquecer por pelo menos algum tempo as feridas físicas e morais e ao ver a harmonia dos dois olhei novamente para o carro preto e senti pena daqueles que não têm nada, daqueles dois... o pai e a filha.

4 comentários:

  1. Mais uma vez arrebatada. A cada palavra que você escreve, a cada tirinha, te admiro mais.

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  2. Muito lindo o texto!!! Emociona e faz pensar!!!! ADOREI!!!Parabéns por essas palavras tão certeiras: vão direto ao coração!!

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